Boas práticas no planejamento sucessório: proteção, governança e limites legais 

26 de setembro de 2025

O planejamento sucessório é uma das principais ferramentas de governança patrimonial. Estruturado de forma preventiva, garante continuidade dos negócios, reduz conflitos familiares e traz eficiência tributária. Como resultado, fortalece a governança patrimonial. No entanto, se realizado em contextos de endividamento ou litígio, pode ser questionado judicialmente. Por isso, este artigo mostra como diferenciar o planejamento lícito do abusivo e quais boas práticas asseguram sua validade.

O planejamento sucessório é reconhecido como medida lícita e necessária. Ele permite antecipar a transmissão de bens, reduzir conflitos familiares, conferir eficiência tributária e garantir a continuidade de empresas. Contudo, quando utilizado em contextos de endividamento ou de litígios, pode ser interpretado como tentativa de frustrar credores ou direito de herdeiros. Nesses casos, atos aparentemente válidos podem ser anulados e até mesmo levar à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

Nesse sentido, este artigo analisa justamente essa linha entre a organização patrimonial legítima e a prática abusiva. Abordaremos o que caracteriza o planejamento lícito, em que situações ele pode ser considerado fraude contra credores, como funciona a desconsideração da personalidade jurídica e quais boas práticas devem ser adotadas para que a sucessão seja estruturada com segurança jurídica e efetividade.

1. Quando o planejamento sucessório é seguro e legítimo 

O planejamento sucessório, quando feito de forma correta, é um instrumento sólido de governança patrimonial e proteção da continuidade dos negócios. Ele consiste na organização antecipada da transmissão de bens e participações societárias, com a finalidade de dar continuidade ao patrimônio e às atividades empresariais de forma estruturada. Assim, a sua essência está em antecipar cenários, reduzir incertezas e criar mecanismos que evitem a fragmentação desordenada do patrimônio.

Para compreender quando esse planejamento é legítimo, é preciso observar os objetivos que ele busca alcançar. É justamente a finalidade do ato que distingue uma medida válida de uma prática abusiva. Enquanto o planejamento lícito tem como propósito a proteção da continuidade do legado, a redução de conflitos e a racionalização de custos, o planejamento abusivo costuma ter como único objetivo afastar credores, dificultar a satisfação de obrigações ou fraudar o fisco.

1.1 Quais são os objetivos legítimos do planejamento sucessório?

A licitude se revela quando o planejamento é realizado para atingir fins legítimos. Cabe destacar que esses objetivos incluem:

  • Em primeiro lugar, a continuidade da empresa: assegurar que o falecimento ou incapacidade civil  de um uma pessoa, não paralise decisões estratégicas ou coloque em risco o patrimônio, seja ele particular ou empresarial, contratos, empregos e operações.
  • Além disso, a eficiência tributária: escolher entre os instrumentos jurídicos disponíveis (doações, testamentos, holdings familiares) de forma a reduzir custos futuros dentro das regras legais, sem transferir ônus a credores ou ao Estado.
  • Por fim, a prevenção de litígios familiares: delimitar previamente direitos e responsabilidades, reduzindo a probabilidade de disputas sucessórias que frequentemente resultam em longos processos judiciais e desgaste entre sócios e herdeiros.

2. Instrumentos mais utilizados

O ordenamento jurídico brasileiro disponibiliza ferramentas seguras para estruturar esse planejamento. Por exemplo, entre elas podemos citar:

Testamento: permite definir a destinação dos bens conforme vontade e visão de quem testa, desde que respeitados os limites da legítima (parcela que obrigatoriamente cada herdeiro necessário - descendente, ascendente, cônjuge e companheiro.

Doação em vida: possibilita antecipar a transferência patrimonial, podendo ser combinada com cláusulas restritivas (incomunicabilidade, inalienabilidade, impenhorabilidade).

Holdings: centraliza ativos e permite estabelecer regras de governança para a sucessão.

Acordos de sócios: fixam critérios para ingresso de herdeiros, direitos e obrigações entre os sócios e regras de gestão, buscando não só preservação da harmonia atual entre os sócios e deixar as regras do jogo claras, mas projetar isso para o futuro.

Dessa forma, o ponto central é que todos esses instrumentos são legítimos quando utilizados de forma transparente e preventiva.

3. O critério da ilicitude

A fronteira entre o planejamento lícito e o abusivo está menos no tipo de instrumento utilizado e mais no momento e na intenção que o norteiam. Quando estruturado em período de estabilidade, com pleno conhecimento dos sócios e respeitando direitos de credores, trata-se de medida legítima de governança. Acima de tudo, preservar a boa-fé e a transparência. Por outro lado, quando realizado às pressas, sem propósito negocial e em contexto de endividamento ou litígio, pode ser interpretado como tentativa de frustrar obrigações já existentes.

Portanto, três pilares sustentam a licitude do planejamento sucessório:

  1. Antecipação: deve ser feito em momento de normalidade, não como reação a dívidas.
  2. Boa-fé: precisa respeitar os direitos de terceiros, em especial herdeiros e credores.
  3. Transparência: deve ser formalizado com registros claros e acessíveis, evitando operações artificiais ou simuladas.

Em síntese, o planejamento sucessório lícito não se confunde com estratégias de ocultação. Ele se fundamenta em organizar de forma previsível e juridicamente segura a continuidade do patrimônio e da empresa, equilibrando os interesses da família, da sociedade empresária e da coletividade.

4. Quando o planejamento pode ser anulado?

O planejamento sucessório não pode ser confundido com manobra para afastar credores ou tolher o direito de herdeiros. Sempre que a reorganização patrimonial tiver como finalidade frustrar a satisfação de dívidas ou esvaziar o patrimônio destinado ao cumprimento de obrigações, ou excluir direitos à parcela legítima de herdeiros, o planejamento pode perder sua natureza lícita. Nessas circunstâncias, ele passa a ser interpretado como simulação ou fraude, tornando-se vulnerável à anulação e abrindo caminho para medidas mais gravosas, como  sua anulação e até a desconsideração da personalidade jurídica (quando há redirecionamento de dívidas para o sócio).

4.1 Fraude contra credores e fraude à execução

O Código Civil (arts. 158 a 165) prevê a fraude contra credores, que ocorre quando o devedor reduz artificialmente seu patrimônio e compromete a satisfação de dívidas já existentes. O CPC (art. 792) trata da fraude à execução, mais grave ainda, quando há processo judicial em andamento. Nessas hipóteses, transferências de bens podem ser anuladas ou tornadas ineficazes, expondo sócios e herdeiros.

4.2 Exemplos práticos de anulação:

Algumas situações ilustram bem esse risco:

  • Doação de quotas sociais a herdeiros em cenário de execução: e um empresário doa suas quotas aos filhos enquanto responde a dívidas, a operação pode ser anulada por reduzir o patrimônio sujeito à penhora.
  • Transferência de imóveis ou participações para uma holding recém-criada: quando feita em contexto de execução, pode ser vista como tentativa de ocultar bens e ser desconsiderada. 

4.3 Desconsideração da personalidade jurídica no planejamento sucessório

A desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil) é aplicada quando a sociedade é usada para desviar bens ou confundir patrimônio. No planejamento sucessório, isso ocorre principalmente em holdings sem atividade real, criadas apenas como repositório de bens e ocultação de patrimônio, ou ainda, para privilegiar um herdeiro avançando na parte obrigatoriamente devida a outro. O resultado pode ser a desconstituição da operação societária e a responsabilização pessoal dos sócios ou herdeiros envolvidos, dependendo do caso. Portanto, a holding respeitar os direitos das partes envolvidas, ter substância econômica e função efetiva, não apenas servir como tentativa de blindagem ou ocultação de bens e direitos.

5. Como fazer um planejamento sucessório seguro e alinhado com boas práticas de governança?

Em regra, o planejamento é seguro quando:

  • é realizado em período de estabilidade patrimonial, e não como reação a dívidas ou litígios;
  • respeita a capacidade de pagamento de obrigações já existentes;
  • é formalizado com transparência, evitando estruturas artificiais ou sociedades sem substância econômica;
  • observa os direitos dos herdeiros necessários, sem avançar sobre a legítima ou criar desequilíbrios que gerem litígios sucessórios.

Já o planejamento abusivo costuma surgir em contextos de endividamento, litígio ou quando busca afastar credores e restringir direitos legítimos de herdeiros. Nessas situações, operações podem ser anuladas judicialmente, com responsabilização pessoal de sócios e herdeiros beneficiados.

Boas práticas para empresários e famílias incluem:

  • realizar o planejamento de forma preventiva;
  • buscar orientação jurídica especializada;
  • escolher instrumentos compatíveis com a realidade da família e do negócio;
  • adotar estruturas com função econômica real e regras de governança claras;
  • equilibrar os interesses da família, respeitando a legítima e prevenindo conflitos futuros.

Em suma, o planejamento sucessório é seguro quando conduzido com boa-fé, equilíbrio e estratégia. Estruturado corretamente, garante continuidade, previsibilidade e eficiência tributária, transformando-se em um legado sólido de governança e estabilidade para as próximas gerações.

Conclusão

O planejamento sucessório é uma das ferramentas mais eficazes de planejamento e governança patrimonial. Quando bem estruturado, assegura a continuidade do legado, dos negócios, preserva os relacionamentos familiares, pode reduzir custos tributários e cria previsibilidade para as próximas gerações.

Contudo, a mesma estrutura que pode ser usada como instrumento legítimo de proteção também pode se transformar em fonte de vulnerabilidade quando desvirtuada. Operações realizadas em momentos de endividamento, com intuito de afastar credores, ou que buscam restringir direitos de herdeiros necessários e avançar sobre a legítima, estão sujeitas à anulação judicial, à responsabilização pessoal de sócios e herdeiros e a graves reflexos reputacionais.

A linha que separa a o planejamento seguro e a boa governança do abuso está menos nos instrumentos utilizados e mais na forma como são aplicados: se de maneira preventiva, transparente e equilibrada, respeitando credores e herdeiros, o planejamento cumpre sua função protetiva; mas, se usado como manobra de ocultação, torna-se frágil e passível de questionamentos.

A experiência mostra que empresários e famílias que buscam assessoria jurídica especializada, escolhem estruturas compatíveis com sua realidade e adotam ferramentas e mecanismos legítimos e sólidos conseguem conciliar eficiência tributária, segurança sucessória e estabilidade patrimonial.

Em conclusão, o planejamento sucessório é tão eficaz quanto a seriedade com que é conduzido. Feito com boa-fé e estratégia, ele deixa de ser apenas uma ferramenta jurídica e se transforma em um verdadeiro legado de proteção, confiança e continuidade para as próximas gerações.

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