Planejamento Sucessório como proteção contra mudanças tributárias

22 de setembro de 2025

Você já parou para pensar quanto do seu patrimônio pode ser consumido por mudanças repentinas na tributação sucessória?

O impacto do ITCMD no planejamento sucessório torna essa questão ainda mais urgente.

No Brasil, o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) é um tributo que, embora não seja alterado com frequência, ainda assim tem sido objeto de discussões legislativas e decisões judiciais relevantes nas últimas décadas.

Em meio às discussões da Reforma Tributária e à crescente pressão por arrecadação, esse imposto se revela um dos mais sensíveis do sistema. Ele impacta diretamente famílias, empresários e investidores.

Diante desse cenário, a questão é inevitável: como o planejamento sucessório pode realmente proteger famílias e empresas contra os impactos das constante mudanças na matéria tributária? 

1. A história de uma instabilidade: 20 anos de mudanças no ITCMD

O histórico recente do ITCMD revela a importância de compreender sua evolução normativa e jurisprudencial para avaliar os riscos de postergação do planejamento sucessório.

Até o início da década de 2010, era predominante entre os estados brasileiros a aplicação de alíquotas fixas, sem progressividade formalmente instituída. Ainda assim, alguns estados já cobravam de forma progressiva. Essa prática não refletia um consenso técnico, mas sim a ausência de definição clara quanto à constitucionalidade da técnica progressiva. Para os contribuintes, isso representava uma aparente previsibilidade, já que a alíquota não variava conforme o valor transmitido. Ao mesmo tempo, a indefinição jurídica deixava em aberto a possibilidade de mudanças significativas no futuro, ampliando o impacto do ITCMD no planejamento sucessório.

1.1 O STF e a constitucionalidade da progressividade

Esse cenário passou por mudanças significativas a partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 562.045/SP (Tema 21 da repercussão geral), realizado em setembro de 2013, com decisão publicada em fevereiro de 2014.

Nessa ocasião, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que é constitucional a adoção de alíquotas progressivas para o ITCMD, reconhecendo a autonomia dos estados para estabelecer faixas de tributação conforme o valor da herança ou doação. 

A decisão trouxe maior segurança jurídica aos legisladores estaduais e abriu caminho para para que a partir dessa autorização judicial, outros estados — além daqueles que já aplicavam a alíquota progressiva — também passaram a adotá-la. Hoje, a maioria dos estados já utiliza a alíquota progressiva. Assim, consolida-se uma tendência nacional de uniformização.

1.2 Tentativas de aumento do teto do ITCMD

Em 2015, o CONSEFAZ encaminhou ao então presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, proposta para elevar a alíquota máxima do ITCMD de 8% para 20%. O objetivo era ampliar a autonomia dos estados e permitir uma tributação mais justa sobre contribuintes mais abastados. A iniciativa contou com apoio da maioria dos estados e do Distrito Federal. Por isso, foi apresentada como alternativa para recompor receitas subnacionais sem onerar impostos indiretos que afetam toda a população.

Já em 2019, foi proposto o Projeto de Resolução do Senado nº 57/2019, buscando elevar o teto da alíquota do ITCMD de 8% para 16%, com o objetivo de dar maior flexibilidade aos estados na fixação de suas alíquotas e aumentar a arrecadação tributária. A medida também supostamente busca alinhar o Brasil a práticas internacionais de tributação sobre heranças e doações.

Atualmente, o projeto ainda está em tramitação — tendo último movimento em 2023 — aguardando a designação de relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, e poderá avançar para votação em Plenário, tornando relevante que contribuintes considerem o impacto do ITCMD no planejamento sucessório.

1.3 Novas propostas de majoração após 2019

Em 2024, durante coletiva para apresentar o segundo projeto de lei de regulamentação da reforma tributária, o assessor da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais, Ricardo Oliveira, mencionou uma proposta baseada em estudo técnico de 2014 que sugeria elevar o teto do ITCMD de 8% para até 21%, tomando como referência alíquotas praticadas em outros países.

Embora discutida no âmbito técnico dos estados, a proposta não foi incluída no texto final do projeto de lei complementar, ficando a decisão sobre um eventual aumento da alíquota a cargo do Senado Federal.

Mais recentemente, a Emenda Constitucional nº 132/2023, no contexto da ampla reforma tributária, tornou obrigatória a progressividade do ITCMD em todos os estados, consolidando o impacto do ITCMD no planejamento sucessório. Embora essa mudança não decorra exclusivamente da trajetória anterior do imposto, consolidou em nível nacional uma tendência que já vinha se afirmando desde a decisão do STF, aumentando a necessidade de antecipação no planejamento sucessório.

2. Por que a tributação sucessória é um campo de incerteza?

O ITCMD não é um imposto sujeito a alterações constantes. No entanto, quando sofre mudanças, as consequências são significativas. Nos últimos anos, decisões do Supremo Tribunal Federal e iniciativas legislativas estaduais e federais demonstraram que a tributação sucessória pode ser revista de forma pontual, mas profunda. Para quem precisa organizar a sucessão patrimonial, essa imprevisibilidade já é suficiente para tornar o cenário incerto e exigir cautela.

A Emenda Constitucional nº 132/2023 reforça essa percepção. Ao tornar obrigatória a progressividade do ITCMD, inaugurou um período de transição normativa. Cada estado terá de adequar sua legislação. Isso deve resultar em novos projetos de lei e, possivelmente, em elevação das alíquotas nos próximos anos. Para o contribuinte, isso significa conviver com um cenário de regras em transformação. Nesse contexto, adiar o planejamento pode ser financeiramente arriscado.

Outro ponto de incerteza é o teto nacional do ITCMD, atualmente fixado em 8%, que como vimos acima, poderá ser majorado no futuro.. Se isso ocorrer, abre-se novo precedente para os estados majorarem novamente suas alíquotas.

Por esses motivos, a tributação sucessória deve ser compreendida como um campo de instabilidade normativa e política. O contribuinte que posterga o planejamento sucessório assume o risco de que mudanças futuras — estaduais ou federais — tornem a transmissão patrimonial significativamente mais onerosa do que seria hoje.

3. Planejamento sucessório: um seguro contra a instabilidade tributária

O planejamento sucessório não elimina a tributação. Porém, permite organizar e antecipar a transmissão de bens de forma estratégica, dentro das regras vigentes. A sua principal vantagem é oferecer previsibilidade: ao estruturar previamente como se dará a sucessão, reduz-se o risco de conflitos familiares e cria-se uma barreira contra mudanças repentinas na legislação.

Assim como um seguro protege contra eventos inesperados, o planejamento sucessório atua como instrumento de proteção patrimonial diante da instabilidade normativa do ITCMD. Quanto antes for realizado, maior é a chance de preservar o patrimônio das famílias e empresas contra aumentos futuros na carga tributária.

Um exemplo claro de como mudanças legislativas afetam a sucessão empresarial está no PLP nº 108/2024, que disciplina o cálculo do ITCMD sobre quotas e ações. O texto aprovado em 17/09 pela Câmara de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado altera o artigo 154, II, redefinindo a base de cálculo do imposto. Essa mudança evidencia o impacto do ITCMD no planejamento sucessório, sobretudo em empresas familiares.

Com a alteração, passa-se a adotar o valor de mercado do patrimônio líquido da empresa, acrescido do fundo de comércio, como base de cálculo do imposto. Por outro lado, a redação original mostrava-se ainda mais gravosa, ao propor o fluxo de caixa descontado como parâmetro. Esse critério, felizmente, foi afastado, ao menos por ora.

3.1 Por que o planejamento antecipado é indispensável

Na prática, isso representa uma mudança significativa. Antes, em alguns estados era possível utilizar o Patrimônio Líquido Contábil como base de cálculo. Ademais, em um passado mais distante, já foi possível utilizar o valor nominal das quotas, normalmente muito inferior ao valor de mercado da empresa. 

Com a nova regra, empresas que possuem bens imóveis e intangíveis relevantes, como marcas e patentes, além da própria clientela, terão uma base de cálculo altíssima. É justamente diante desse tipo de incerteza que o planejamento sucessório se revela indispensável. Ele funciona como um verdadeiro seguro contra alterações legislativas repentinas e potencialmente gravosas, preservando o legado e a continuidade das empresas familiares.

4. Principais ferramentas do planejamento sucessório contra incertezas tributárias

O planejamento sucessório não deve ser visto apenas como instrumento de economia fiscal. Seu verdadeiro valor está em oferecer proteção e segurança jurídica, patrimonial e organizacional, garantindo previsibilidade na transmissão, segurança para os herdeiros e continuidade do legado familiar e empresarial.

É importante destacar que não existe um modelo único aplicável a todas as situações. Cada caso exige um diagnóstico específico para identificar os riscos e definir quais instrumentos jurídicos são mais eficazes para alcançar o resultado esperado. A escolha entre holding, doações, testamentos, entre outros instrumentos dependerá das características do patrimônio, da estrutura familiar e dos objetivos de longo prazo.

Entre as ferramentas mais utilizadas, destacam-se:

  • Holding e Administradora de Bens: Holdings e Administradoras de Bens são  empresas criadas para centralizar determinado  patrimônio, reunindo por exemplo,  bens imóveis e participações societárias em  estruturas próprias para essa finalidade. Esse modelo evita a fragmentação do patrimônio entre herdeiros dos patriarcas e seus descendentes. Desse modo, reduz a chance de litígios e assegura a continuidade do controle dos negócios. Além disso, permite a adoção de regras de governança e de acordos de sócios, reforçando a estabilidade administrativa e patrimonial.
  • Doação com reserva de usufruto: A doação com reserva de usufruto permite ao doador transferir a nua-propriedade dos bens aos herdeiros, mantendo para si os direitos de usar, gozar e dispor, ou seja, votar, administrar e receber os frutos. Essa ferramenta antecipa a sucessão sem abrir mão do controle, garantindo previsibilidade e segurança.

Ela pode ser reforçada por cláusulas restritivas, entre as quais:

  • Incomunicabilidade: impede que o bem doado integre o patrimônio comum do herdeiro casado ou em união estável.  Ressalte-se que, em regimes como a comunhão parcial e a separação convencional, embora o cônjuge não receba meação, de acordo com o atual Código Civil (que também será reformado), constará como herdeiro necessário (obrigatório). 
  • Inalienabilidade: veda a alienação do bem, podendo ser temporária ou vitalícia.
  • Impenhorabilidade: protege o bem contra dívidas do donatário, evitando que seja dado em garantia ou penhorado.
  • Reversão: determina que o bem retorne ao doador caso o donatário faleça antes dele.

Essas são algumas das cláusulas que funcionam como camadas adicionais de proteção, adaptando a sucessão às necessidades específicas de cada núcleo familiar.


Conclusão: proteja seu futuro aprendendo com o passado

O histórico de modificações nos impostos sobre heranças e doações no país evidencia que mudanças legislativas e decisões judiciais, ainda que raras, produzem efeitos relevantes sobre a sucessão patrimonial. Esses efeitos atingem, direta ou indiretamente, o patrimônio do contribuinte.

Esse cenário reforça a importância de não adiar o planejamento: medidas estruturadas hoje oferecem mais previsibilidade e reduzem riscos de maiores custos no futuro.

Ademais, é importante ter em mente que o planejamento sucessório não se resume a aspectos tributários. Ele é também uma estratégia de proteção jurídica e de governança familiar. Além disso, assegura segurança aos herdeiros e sócios, organiza a transmissão de bens e preserva a continuidade dos negócios. Mais do que administrar tributos, trata-se de preservar valores, reduzir tensões e fortalecer a coesão entre gerações.

Ao recorrer a instrumentos como holdings, doações, testamentos ou acordos de sócios, cada família pode estruturar soluções sob medida, alinhadas ao seu patrimônio e aos seus objetivos. Com isso, transforma-se a incerteza do ambiente normativo em estabilidade planejada, protegendo o legado construído ao longo de uma vida inteira.

O tempo, nesse contexto, é um fator decisivo. Planejar antes das mudanças é sempre mais seguro do que reagir a elas depois. Por isso, o momento de iniciar a sucessão organizada não é amanhã: é agora.

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