Como planejar a sucessão quando há herdeiros menores de idade?

3 de novembro de 2025

Por Juliana Hernandez Hoepers
Advogada | Núcleo Societário da Melo Advogados Associados

1. Introdução

O planejamento sucessório que envolve herdeiros menores tem caráter essencialmente protetivo. Além disso, organiza a administração do patrimônio enquanto perdura a incapacidade civil e, dessa forma, assegura que os bens mantenham valor econômico, coerência jurídica e também gestão eficiente.

Na ausência de planejamento prévio, o responsável legal sobrevivente assume a administração do acervo. Em muitos casos, a realização de atos relevantes — como alienar, reinvestir ou deliberar sobre sociedades — depende de autorização judicial. Embora essa exigência tenha função protetiva, ela reduz a agilidade patrimonial e afasta o controle técnico da família.

Planejar, nesse contexto, não significa antecipar a herança. Significa instituir regras de administração, fiscalização e prestação de contas, delimitando responsabilidades e garantindo que o patrimônio permaneça íntegro e produtivo até a plena capacidade dos herdeiros.

2. Por onde começar: a natureza do patrimônio como elemento estruturante

O primeiro passo do planejamento é identificar a natureza jurídica e econômica dos bens. A estrutura de gestão precisa refletir o tipo de patrimônio e o grau de risco envolvido.

O patrimônio imobilizado, composto por imóveis e aplicações financeiras, requer administração conservadora e previsível. Já o patrimônio operacional, formado por participações em empresas familiares ou sociedades empresárias, demanda governança ativa e decisões técnicas contínuas.

A ausência dessa distinção compromete a racionalidade da sucessão. Ativos operacionais exigem administradores especializados e regras de deliberação específicas, enquanto ativos patrimoniais necessitam de estabilidade e liquidez.

Por isso, a etapa inicial consiste em classificar o acervo, compreendendo o que será sucedido antes de definir como a sucessão ocorrerá.

3. Quais cuidados adotar ao incluir filhos menores no planejamento sucessório?

O planejamento sucessório que envolve herdeiros menores exige atenção especial, pois a incapacidade civil restringe a autonomia e impõe regras legais específicas de administração. A forma como esses bens são geridos durante a menoridade define a segurança, a eficiência e a fidelidade à vontade do instituidor.

O ponto central está em compreender que o regime legal de representação, embora protetivo, nem sempre garante eficiência patrimonial. A seguir, destacam-se os principais cuidados para equilibrar proteção e funcionalidade.

3.1 Escolha de administradores qualificados

A nomeação de administradores qualificados constitui o primeiro passo para garantir gestão técnica e imparcial.
O instituidor pode indicar, por testamento ou instrumento próprio, pessoa de confiança ou profissional com competência comprovada para administrar o patrimônio na ausência dos genitores, respeitando sempre o direito de representação do outro genitor, se vivo.

O administrador atua sob dever fiduciário, com responsabilidade de diligência e prestação periódica de contas.
Em patrimônios mais complexos, a criação de conselhos familiares ou comitês de administração assegura decisões colegiadas e controle cruzado, evitando concentração de poder e conflitos de interesse.

3.2 Segmentação patrimonial e estruturas de governança

A gestão eficiente depende de separar os diferentes tipos de bens conforme sua natureza e risco.


A segmentação patrimonial permite aplicar modelos de administração específicos a cada núcleo:

  • Holding patrimonial: concentra imóveis e ativos estáticos;
  • Holding operacional: administra participações societárias e empresas familiares;
  • Núcleo de liquidez: assegura recursos para despesas, tributos e contingências.

Cada estrutura segue regras próprias de deliberação e substituição de gestores, garantindo coerência entre o perfil do ativo e o modelo de administração.

3.3 Formalização e clareza dos instrumentos jurídicos

O planejamento sucessório só é eficaz quando seus instrumentos são claros, completos e atualizados.
Alterações legislativas, econômicas ou familiares podem exigir revisão das cláusulas de administração e das atribuições dos gestores.

A revisão periódica e a uniformidade documental asseguram que o modelo permaneça válido e compatível com a vontade do instituidor e com a situação real do patrimônio.

3.4 Cláusula de proteção

As cláusulas restritivas, especialmente a inalienabilidade temporária, exercem papel essencial na preservação dos bens de herdeiros menores.
A restrição produz efeitos imediatos, impedindo a alienação ou oneração dos bens sem autorização judicial, inclusive por ato do representante legal.
Essa limitação garante que o patrimônio permaneça intacto até que o herdeiro atinja maturidade civil e capacidade de gestão plena.

Além disso, a inalienabilidade pode se estender após a maioridade, impedindo a alienação imediata e forçando um período de transição responsável.
Na prática, a cláusula atua como instrumento de prudência sucessória: protege o acervo de decisões precipitadas, preserva o propósito econômico dos bens e consolida a vontade do instituidor de manter a unidade patrimonial e familiar.

3.5 Assessoria técnica especializada

A complexidade dos regimes de incapacidade e das interações entre normas civis, societárias e tributárias exige assessoria jurídica especializada desde a concepção do planejamento.
O advogado responsável estrutura juridicamente o modelo sucessório, define o instrumento mais adequado a cada núcleo patrimonial e redige os atos necessários para garantir que cada disposição produza efeitos válidos.

Essa atuação assegura compatibilidade entre a vontade do instituidor e os limites legais da incapacidade civil, evitando nulidades, sobreposições de funções e conflitos entre administradores, tutores e representantes.
Somente uma estrutura tecnicamente construída — com coerência entre os instrumentos — preserva a integridade do patrimônio e garante continuidade administrativa durante a menoridade.

4. Planejamento sucessório: como garantir a gestão dos bens para filhos menores

Após definidas as diretrizes de governança e proteção, é necessário identificar quais instrumentos jurídicos permitem executar, na prática, a administração do patrimônio durante a menoridade.

O objetivo é substituir o modelo legal genérico, centrado na intervenção judicial, por uma estrutura privada e tecnicamente orientada, que assegure continuidade e eficiência sem afastar o caráter protetivo do regime legal.

O planejamento sucessório permite substituir esse modelo genérico por uma estrutura mais técnica e personalizada, que assegura a continuidade da administração durante a menoridade.

Entre os instrumentos mais utilizados  no planejamento sucessório, estão:

a) Doação com reserva de usufruto

A doação com reserva de usufruto é um dos instrumentos mais utilizados quando se pretende antecipar a transmissão patrimonial sem perda do controle sobre os bens.
Nela, o doador transfere a nua-propriedade ao herdeiro, mas mantém para si o usufruto, ou seja, o direito de usar, administrar e perceber os frutos.

Esse modelo é especialmente eficaz quando os herdeiros são menores, pois o patrimônio é formalmente transmitido, mas a gestão permanece sob o controle do instituidor até o término do usufruto ou seu falecimento.

Do ponto de vista prático, a doação com usufruto:

  • Reduz a burocracia sucessória, ao evitar a abertura de inventário sobre os bens doados;
  • Assegura a continuidade da administração, sem necessidade de nomeação judicial de tutor;
  • Permite a imposição de cláusulas restritivas (incomunicabilidade, impenhorabilidade, inalienabilidade temporária), ajustando o grau de proteção conforme a natureza do bem.

O principal cuidado é delimitar o alcance do usufruto, definindo se abrange apenas o uso e fruição ou também o poder de gestão.

Essa precisão evita disputas entre usufrutuário e nu-proprietário quando o herdeiro atingir a maioridade.

b) Testamento

O testamento é o instrumento mais versátil para o planejamento de herdeiros menores.

Ele permite organizar a administração patrimonial durante a incapacidade civil, nomear tutor ou administrador específico e impor regras de fiscalização sobre a atuação desses gestores.

Além disso, o testamento permite distinguir entre a legítima e a parte disponível — diferença central no planejamento de menores.

  • A legítima, correspondente à metade do patrimônio, destina-se aos herdeiros necessários e, por regra, os pais a administram nos termos do poder familiar.
  • O testador pode confiar a administração da parte disponível a pessoa diversa do genitor sobrevivente, ou a instituição por ele designada, responsável apenas pela gestão, e não pela titularidade, dessa parcela do patrimônio, embora exista divergência jurisprudencial quanto à extensão dessa possibilidade.

Essa possibilidade confere ao testador controle técnico e moral sobre o patrimônio e permite que pessoas ou instituições com competência financeira e imparcialidade exerçam a administração.
O testamento também pode exigir prestação de contas periódica ao tutor pessoal, ao juiz ou a um conselho familiar, tornando o processo de fiscalização contínuo e eficiente.

Em síntese, o testamento funciona como ato de governança, no qual o instituidor transforma sua vontade em um sistema normativo privado, substituindo a tutela estatal por regras internas de controle.

c) Estruturas societárias de suporte 

As estruturas societárias, especialmente as holdings, representam um instrumento mais sofisticado de organização da sucessão.
Elas permitem institucionalizar a administração, separar esferas de decisão e criar mecanismos de substituição em caso de incapacidade ou morte de administradores.

Na prática, as holdings funcionam como entidades de gestão do patrimônio familiar, conferindo previsibilidade e estabilidade à sucessão.

Por meio do contrato ou estatuto social, o instituidor pode estabelecer regras específicas de administração, veto, substituição de gestores e prestação de contas, de modo a manter a coerência entre a vontade original e a gestão cotidiana dos bens.

Além disso, as holdings simplificam o processo sucessório, podendo reduzir custos tributários (como ITCMD em etapas de reorganização) e criam um ambiente de governança empresarial.

d) A complementaridade entre os instrumentos

Esses instrumentos não são excludentes, mas complementares. Um mesmo planejamento pode combinar holding, doação com usufruto e, testamento 

A escolha adequada depende da composição do patrimônio, do perfil familiar e da finalidade econômica.
Em contextos empresariais ou familiares de alto ticket, por exemplo, a holding é indispensável; em pequenos patrimônios imobiliários, a doação com usufruto é mais eficiente; e, em qualquer hipótese, o testamento é o elo jurídico que integra a estrutura e confere validade à vontade do instituidor.

Conclusão

O planejamento sucessório que envolve herdeiros menores é uma operação jurídica complexa. Ele vai além da simples antecipação da herança e representa uma decisão estratégica de preservação patrimonial.

Por meio dele, a vontade do instituidor se converte em uma estrutura normativa e patrimonial. Assim, garante continuidade, coerência e racionalidade na administração do acervo durante a incapacidade civil dos sucessores.

A legislação civil confere aos pais a administração dos bens dos filhos menores. Entretanto, essa regra geral mostra-se insuficiente diante de patrimônios empresariais, familiares ou financeiros de maior valor. Nessas situações, a ausência de planejamento formal desloca a gestão para a esfera judicial, o que exige autorização para cada ato e permite a intervenção de terceiros.

Nesse contexto, o planejamento sucessório atua como mecanismo de governança intergeracional. Ele substitui a tutela judicial genérica por uma estrutura privada de administração, com papéis definidos, mecanismos de fiscalização e instrumentos de controle. Dessa forma, confere previsibilidade à sucessão e assegura que o patrimônio seja gerido com critérios técnicos, em conformidade com a vontade do instituidor e a finalidade econômica dos bens.

A escolha dos instrumentos — doação com reserva de usufruto, testamento e estruturas societárias — deve refletir a natureza do patrimônio e o grau de autonomia pretendido. O testamento, por exemplo, consolida a vontade e define tutores e administradores. A doação com usufruto, por sua vez, assegura continuidade administrativa. As holdings, por fim, introduzem governança corporativa e eficiência tributária.

Mais do que um arranjo jurídico, o planejamento sucessório para herdeiros menores constitui uma decisão institucional. Ele estabelece como o legado será mantido, administrado e fiscalizado até que os sucessores alcancem capacidade plena. Assim, o planejamento preserva não apenas o patrimônio em sentido econômico, mas também a lógica de gestão e os valores que sustentam o núcleo familiar e empresarial.

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