No setor supermercadista, onde margens são apertadas e a competitividade é intensa, a gestão eficiente de custos é mais do que um diferencial: é uma necessidade estratégica. Sobretudo, um dos pontos que mais desafia a área fiscal desses estabelecimentos é o tratamento tributário das bonificações tributáveis, especialmente quanto à inclusão desses valores na base de cálculo do PIS e da COFINS.
Portanto, este artigo analisa os aspectos fiscais das bonificações tributáveis no contexto dos supermercados, considerando o entendimento da Receita Federal, as divergências na jurisprudência e estratégias viáveis para mitigar riscos e proteger a margem operacional.
O que são bonificações Tributáveis e qual o impacto no setor supermercadista?
As bonificações são incentivos comerciais oferecidos por fornecedores aos varejistas, podendo ser entregues em forma de produtos adicionais, descontos, metas promocionais ou ajustes financeiros. Logo, no setor de supermercados, essas bonificações impactam diretamente o custo de aquisição das mercadorias.
Tais bonificações assumem um papel estratégico, pois permitem ao supermercado otimizar seu estoque, melhorar a oferta ao consumidor final e ainda buscar margens mais competitivas em relação à concorrência. Contudo, a falta de tratamento tributário adequado pode reverter esse benefício em risco.
Bonificações Tributáveis promocionais
Vinculadas a estratégias de marketing e campanhas específicas, como o famoso "compre 10, leve 12". Além disso, são focadas no aumento de vendas e na atração do consumidor final.
Nesses casos, os supermercados obtêm produtos adicionais como forma de impulsionar vendas. Entretanto, a Receita Federal pode interpretar essa bonificação como receita, exigindo sua tributação.
Bonificações Tributáveis por ajuste comercial
Surgem negociações entre supermercado e fornecedor, com o objetivo de reduzir o custo operacional. Assim, não há vínculo com campanhas promocionais nem entrada financeira direta.
Por essa razão, muitos defendem que, em se tratando de redução de custo, não haveria fato gerador de tributo, o que leva a debates ainda sem definição única.
Receita Federal: como se interpreta a tributação das bonificações?
Antes de detalhar as normas e entendimentos da Receita Federal, é fundamental compreender por que as bonificações — ainda que não impliquem desembolso financeiro imediato — representam um elemento relevante na apuração de tributos. Em primeiro lugar, elas configuram vantagens econômicas que, consequentemente, afetam diretamente a base de cálculo do PIS e da Cofins. Assim, qualquer análise sobre o tema deve partir desse pressuposto básico.
COSIT nº 202/2021: Bonificações tributáveis como vantagem econômica
A Solução de Consulta COSIT nº 202/2021 consolidou o entendimento da Receita Federal: bonificações devem ser consideradas vantagem econômica e, portanto, integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins. Mesmo na ausência de ingresso financeiro, a RFB sustenta que tais benefícios representam acréscimo patrimonial ao supermercado. Consequentemente, tais valores não podem ser desprezados na escrituração.
COSIT nº 37/2023: Alcance ampliado das bonificações tributáveis
Além disso, a Solução de Consulta COSIT nº 37/2023 reforçou esse posicionamento ao esclarecer que todas as bonificações de mercadorias – inclusive as praticadas em operações de importação ou entre estabelecimentos do mesmo grupo econômico – configuram receita tributável. Em particular, no regime não cumulativo, não se admite crédito de PIS/Cofins sobre o custo dessas mercadorias entregues gratuitamente.
Mero recebimento gratuito como receita
Mesmo que não haja fluxo de caixa direto, a Receita entende que a mera aquisição gratuita de bens configura receita. Portanto, os valores correspondentes às bonificações devem compor a base de tributação, independentemente de pagamento em dinheiro.
Fundamento legal no PIS e na Cofins
Esse entendimento encontra respaldo no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 10.637/2002 (PIS) e, sobretudo, no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 10.833/2003 (Cofins), que definem como “receita bruta” o total auferido em decorrência da venda de bens e da prestação de serviços.
IN RFB nº 2.121/2022: Consolidação e disciplina
Ademais, a Instrução Normativa RFB nº 2.121, de 15 de dezembro de 2022, consolida toda a legislação infralegal relativa ao PIS/Pasep e à Cofins — inclusive para importação —, revogando expressamente a IN RFB nº 1.911/2019 (art. 810). Assim, em um único texto organizado, ela:
- Disciplina o fato gerador, a base de cálculo e as alíquotas;
- Especifica as hipóteses de exclusão e não incidência;
- Detalha os procedimentos de apuração, crédito, compensação, escrituração e obrigações acessórias;
- Reforça que todas as vantagens econômicas, mesmo as indiretas como as bonificações, integram o conceito de receita bruta.
- Impactos práticos para o setor supermercadista
- Por consequência, esse entendimento pode:
- Reduzir a margem de lucro nas operações de supermercadistas;
- Exigir atenção redobrada ao cumprimento das obrigações acessórias;
- Demandar escrituração mais detalhada dos ganhos indiretos.
- Em suma, é fundamental que as empresas do setor registrem com precisão todas as bonificações e realizem o cálculo correto do PIS e da Cofins.
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O que dizem os tribunais? Panorama das divergências jurisprudenciais
Embora a Receita Federal mantenha posição clara, o Judiciário ainda apresenta divergência relevante. Parte dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) entende que, na ausência de entrada de receita, não se configura fato gerador das contribuições.
Assim, se a bonificação é redução de custo, ela não deveria ser tributada. Essa interpretação se fundamenta no princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, § 1º da Constituição Federal.
Entretanto, outros tribunais seguem o raciocínio da RFB: qualquer vantagem econômica, mesmo indireta, configura receita bruta tributável. Nesse ponto, o artigo 195, inciso I, alínea "b" da Constituição, que trata da tributação da receita ou faturamento, é utilizado como suporte.
Por outro lado, é importante destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento no RE 574.706 de que ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS, pois considerou que o valor do imposto estadual não se tratava de faturamento dos contribuintes o que era “repassado” ao Fisco Federal, reforçando o debate sobre o que efetivamente constitui receita.
Consequentemente, essa dualidade reforça a necessidade de monitoramento contínuo da jurisprudência e uma postura ativa por parte dos supermercadistas na defesa de sua estratégia contábil e tributária.
Registro contábil como ferramenta de defesa fiscal
A correta classificação contábil das bonificações é determinante para proteger a empresa em eventual fiscalização ou disputa judicial. Nesse sentido, alguns pontos são críticos:
Contratos comerciais
Devem conter cláusulas que explicitem que as bonificações visam à redução de custo. Dessa forma, fica mais fácil comprovar que não há ingresso financeiro.
Notas fiscais separadas
Produtos pagos devem estar diferenciados daqueles recebidos como bonificação. Portanto, a segregação documental é essencial.
Lançamentos contábeis precisos
A estrutura de contas deve refletir a natureza da operação e evitar confusão com receita. Além disso, a demonstração de ajustes de custo fortalece a defesa.
Relatórios internos e pareceres contábeis
Esses documentos reforçam a natureza econômica das operações e fortalecem a prova documental. Dessa forma, constroem um arcabouço sólido em eventual contestação.
Por conseguinte, uma contabilidade bem executada serve como barreira de proteção contra autuações fiscais e amplia a segurança jurídica do negócio.
Exemplos de cláusulas contratuais para bonificações
Para evitar interpretações fiscais desfavoráveis, recomenda-se inserir cláusulas claras nos contratos comerciais. Por exemplo:
- "As bonificações concedidas têm a finalidade exclusiva de redução do custo de aquisição das mercadorias, não implicando em ingresso financeiro ao comprador."
- "O fornecimento de produtos a título de bonificação não representará receita nem configuração de nova operação de venda."
Assim, essa documentação fortalece a defesa da empresa em caso de fiscalização.
Implicações práticas: riscos reais para supermercados
As consequências da tributação das bonificações são relevantes para supermercados que operam com margens reduzidas. Em primeiro lugar, destaca-se o aumento da carga tributária.
Com a inclusão de bonificações na base do PIS/COFINS, há impacto direto no fluxo de caixa, podendo comprometer o planejamento financeiro. Ademais, surgem desafios operacionais.
A integração entre fiscal, compras e contabilidade torna-se essencial. De outro modo, a falta de alinhamento pode gerar inconsistências e risco de autuação.
Finalmente, sem documentação clara, o supermercado pode ser alvo de autos de infração e multas elevadas.
Passo a passo para revisão de processos internos
- Mapear todas as formas de bonificações recebidas.
- Revisar contratos com fornecedores para ajustes de cláusulas.
- Capacitar os setores de compras, fiscal e contábil para tratamento correto.
- Segregar lançamentos contábeis de bonificações e vendas.
- Obter parecer contábil-jurídico sobre o tratamento fiscal adotado.
- Acompanhar jurisprudência e posicionamentos da Receita Federal.
Seguindo essas etapas, é possível mitigar riscos e fortalecer a defesa tributária.
Estratégias para mitigar riscos tributários com bonificações
Diante desse cenário, adotar uma abordagem preventiva e bem documentada é fundamental para evitar riscos tributários.
1. Planejamento tributário estruturado
Revisar contratos e classificar corretamente os lançamentos contábeis é essencial para evitar caracterizações equivocadas.
2. Assessoria especializada
Contar com advogados tributaristas e contadores experientes proporciona orientação tanto preventiva quanto em defesa administrativa/judicial.
3. Documentação robusta
Notas fiscais, contratos, memorandos internos e registros contábeis devem estar coerentes entre si e disponíveis para eventuais auditorias.
4. Monitoramento da jurisprudência
Acompanhar julgados recentes e atualizações da legislação fiscal é um diferencial estratégico.
Assim, os supermercadistas estão mais bem preparados para responder às exigências fiscais.
Conclusão: bonificações Tributáveis como desafio e oportunidade
A tributação das bonificações no setor supermercadista é um dos temas mais relevantes da gestão fiscal. Embora a Receita Federal adote um posicionamento que eleva a base de cálculo dos tributos, a jurisprudência ainda está em construção.
Logo, há margem para estratégias defensivas bem fundamentadas. Empresas que investem em planejamento tributário, capacitação das equipes e documentação adequada estarão mais preparadas para reduzir riscos.
Portanto, transformar um ponto de vulnerabilidade em oportunidade de ganho fiscal e vantagem competitiva é um movimento essencial para o futuro do varejo supermercadista.
A Melo Advogados Associados permanece sempre à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas e oferecer suporte especializado necessário sobre esse e outros temas tributários.